Instituto Histórico IMPHIC - Betim

"Sapio ut Protegam, Protego ut Praeservam"

Localização: Fazenda Cachoeira, as margens do Rio Betim – Betim – MG.

http://www.funarbe.xpg.com.br/hidreletica.htm

A Usina “Dr. Gravatá” , como era popularmente conhecida, teve seu início de funcionamento definitivo em 1914. Sua construção foi realizada pelo Estado de Minas Gerais e pela empresa Schnoor, de propriedade do francês Emílio Schnoor.
Antônio Gonçalves Gravatá, era o engenheiro-chefe da empresa Schnoor e veio ao distrito de Capela Nova do Betim[1] com a finalidade, em 1909, de construir a Estação Ferroviária Capela Nova, na Estrada de Ferro Oeste de Minas, que liga a capital Belo Horizonte a Henrique Galvão, atual Divinópolis. A partir desta empreitada, a empresa decide explorar o manancial hidráulico do distrito capelanovense, construindo a hidrelétrica no Rio Betim. O rio possui uma queda d’água favorável para tanto: cerca de oitenta e quatro metros de queda, em sua porção final.
A produção de energia era tão satisfatória que era possível oferece-la para as cidades de Divinópolis e, posteriormente, Contagem – esta que utilizou a energia no período de construção e operação de sua “cidade industrial”, na década de 1940. Estes fatos demonstram que a usina proporciona um desenvolvimento não apenas local mas também regional. A casa de máquinas operava com duas turbinas que tinham capacidade de 250 W; corrente trifásica com 6.000 volts de transmissão; capacidade de queda de 4.800 cavalos. Sua instalação foi feita na Fazenda Cachoeira, pertencente, na época, a José da Silva Lima (o “Zé do Pio”); comprada por 100 contos de réis.
A Usina era formada por uma barragem, próxima à antiga ponte de arcos, que desviava a água do rio; um sistema de comportas (foram identificadas cinco comportas) e canais que conduzem a água até um tanque grande, com capacidade estimada em 72 m³; tubulações com, aproximadamente, um metro de diâmetro (conduziam a água do tanque para a casa de máquinas); uma casa de máquinas com duas turbinas da marca Oerlikon, localizada na porção final da queda d’água. Todo equipamento existente na casa de máquinas era proveniente de empresas estrangeiras, como por exemplo: Siemens, A.E.G., Westinghouse etc. A distância entre a barragem, primeira parte de todo o sistema, e a usina, última parte, gira em torno de 1300 metros, ou seja, desde o desvio d’água até a geração propriamente dita de energia, a água percorria esta distância.
A Usina “Dr. Gravatá” era assim, popularmente, conhecida devido à figura de Antônio Gonçalves Gravatá, engenheiro-chefe da empresa Schnoor e apontado como o responsável direto pela idealização da construção da Usina. Baiano de Salvador viveu em Betim (na época Capela Nova) por aproximadamente dez anos[2]; era tido como figura carismática e bem quista socialmente. Como engenheiro atuou em algumas cidades mineiras e até mesmo na capital, onde trabalhou em importantes empreendimentos – a construção das estações de passageiros da Central do Brasil e da Rede Mineira de Viação, como exemplos. Faleceu em maio de 1950, em Belo Horizonte.
A construção desta Usina foi realizada em conformidade com o momento histórico de início da industrialização mineira. A partir da segunda metade do século XIX, o Estado mineiro investe em sua industrialização, e eletricidade é considerada um ponto importante na pauta industrial. No caso específico da geração de energia elétrica, o Estado fazia concessões de exploração em recursos naturais (quedas d’água em geral) ou contratos com empresas que desenvolviam este tipo de trabalho. É neste momento histórico que surge o termo “Hulha Branca”, que designava toda a empresa que trabalhava com produção de eletricidade, utilizando as quedas d’águas favoráveis para tanto. As Hulhas Brancas foram, neste sentido, foram as pioneiras da produção energética em minas. De acordo com o anuário de Nelson de Senna, publicado em 1914, a Usina “Dr. Gravatá” fora catalogada e classificada como uma Hulha Branca; este fato demonstra seu valor para o desenvolvimento da industrialização mineira e local. A sua desativação ocorre na década de 1950, quando é instalada em Betim uma distribuidora de energia da então criada CEMIG[3].
Em resumo, percebe-se que Betim (Capela Nova, na época) é parte importante no circuito industrial devido à passagem da Estrada de Ferro Oeste de Minas e da construção de sua usina geradora de energia elétrica, símbolos, naquele momento histórico, de desenvolvimento.

A Usina “Dr. Gravatá” e o desenvolvimento da modernidade em Betim: 1900 – 1920.
Um dos temas mais importantes que permeia a história, numa visão abrangente, diz respeito ao movimento modernizante pelo qual o mundo ocidental passou. A história da Usina Dr. Gravatá nos remete a uma parte dessa temática, que trata do desenvolvimento de recursos de energia, como um considerável fator de evolução sócio-industrial. Dessa forma, em 1914, ano da inauguração da Usina, a sociedade de Betim (outrora Capela Nova) tinha mais um elemento que tornava moderna.
O movimento modernizante ocidental iniciou na Europa, a partir do século XVI. Durante os séculos XVII e XVIII, as ciências foram as áreas que tiveram maior destaque, juntamente com as áreas relativas ao pensamento humano (filosofia e política). Todavia, o surgimento do “moderno”, por sua vez, ocorre inerente ao período de desenvolvimento do sistema capitalista – do século XVI ao XIX – sendo este período denominado, propriamente, de pré-capitalista. O capitalismo só se firmou enquanto sistema hegemônico durante o período do “imperialismo” e após a primeira guerra mundial. Neste sentido, o termo “moderno” é próprio de um período de transformações econômicas, sociais e culturais, em que surgem inovações provocadas pelo movimento evolutivo do capitalismo enquanto sistema.
No Brasil essa onda modernizante se acentua a partir do século XIX. Um dos pressupostos básicos para o seu desenvolvimento é a produção de caráter industrial – tendo em vista que os mercados de consumos brasileiros já estavam firmados desde o século XVIII. Entretanto, havia um entrave para tal desenvolvimento uma vez que no Brasil a prática econômica principal ainda estava voltada para a agricultura de exportação. Não havia infra-estrutura para a implantação da indústria típica da época; contudo, havia o essencial: um mercado de consumo apropriado para a produção industrial. É este fator que torna possível um início de evolução da indústria no país, ou seja, existe uma sociedade urbana considerável que torna possível a industrialização nacional. Este mercado de consumo se adensa quando no final do século XIX (em 1888) é declarado o fim da escravidão no Brasil. O ato abolicionista, previa, então, não apenas a “liberdade” genérica, condizente com uma política liberal, mas também o adensamento do mercado de consumo, considerando-se que a população do Brasil, na parte final do século XIX, tinha cerca de 75% composta por negros e descendentes. Dessa forma, os dirigentes do país agiam em conformidade com um movimento mundial, que tendia pela primazia da prática mercado-comercial, um dos eixos que estruturam o capitalismo. A abolição da escravatura, além de ser parte de uma política liberal, proporcionava, simultaneamente, a criação de mão-de-obra assalariada e mercado consumidor. Este ato intensificou o mercado nacional, induzindo o país a um lento e gradativo movimento de “modernização” de sua economia.
O Estado de Minas Gerais sentiu o impacto da política liberal e do ato abolicionista. Isso se deve pelo fato de que o estado mineiro, no final do século XIX, era o mais populoso do país – o que se explica pela intensa migração para as minas provocada pelo ciclo do ouro no século XVIII e que fez surgir, em várias partes do estado, muitos núcleos urbanos[4]. A partir de meados do século XVIII, com a decadência da extração aurífera, o que sustentou a economia mineira foi o comércio originado nestes núcleos urbanos. O fato marcante desta afirmação está na construção da capital mineira, na parte final do século XIX, realizada num local considerado como o mais importante pólo comercial de Minas: Curral Del Rei. A construção da capital mineira assume toda uma simbologia que aborda questões da “modernidade”, principalmente o fator “inovação”: a construção de uma nova capital, realizada num núcleo urbano comercial (Curral Del Rei), que representa o novo em detrimento à antiga capital, Ouro Preto (Vila Rica), local de intensa extração de ouro e da extrema aplicação do poder real português, que remete ao período colonial, que representa o antigo. Enfim, Minas Gerais, assim como todo o país, necessitava, naquele momento histórico, de “novos” simbolismos que a desvinculasse de seu caráter colonial e a introduzisse numa determinada conjuntura em que o liberalismo é a política econômica hegemônica, condizente com a estruturação e afirmação do capitalismo.
O desenvolvimento do capitalismo em Minas Gerais e no Brasil tinha uma barreira a transpor: o forte caráter agrário de sua economia. Todavia, os primeiros investimentos industriais partem das chamadas “Elites Agrárias”[5], a partir da segunda metade do século XIX. Tal fato pode ser explicado pela transformação que o mundo ocidental passou: os investimentos em produtos industriais em detrimento aos investimentos em produtos agrícolas. O fato é que o mercado externo, para a agricultura brasileira, naquele momento, não era propício, o que levou grande parte dos produtores agrícolas, principalmente cafeicultores, a “diversificar” seu investimento. A tendência do mercado internacional era de se agravar, considerando-se a intensificação do caráter de disputa (essencialmente nos mercados da Europa, principal importadora dos produtos brasileiros) comercial, outro traço do sistema capitalista. Neste sentido, foi a área agrária que impulsiona primeiramente a indústria mineira (o mesmo ocorre em outras regiões do país). É necessário enfatizar que Minas tinha condições sócio-urbanas favoráveis para o desenvolvimento industrial da época, o que facilitou os investimentos da elite agrária, em vista de sua recessão econômica.
Em Betim o movimento de modernização, através de elementos da indústria, se inicia a partir de 1900, conforme condicionamento proposto em todo o estado mineiro. O fato deste movimento ocorrer em Betim, neste período, de forma tão rápida – considerando que a modernização, num sentido amplo, inicia-se em Minas a partir de meados do século XIX – pode ser explicada, em parte, pela sua posição geográfica: a cidade está muito próxima à recém criada capital (Belo Horizonte) e está situada numa região de intensa atividade comercial, interligada a outros locais que circundam a capital. Outro fator que contribui para o desenvolvimento industrial na cidade, ainda relacionado à sua posição geográfica, está em sua localização: situa-se no cruzamento dos caminhos que levam à região sul do país (São Paulo) e à região oeste (Goiás). Além de sua importância geográfica, Betim tem em si o caráter social marcante, tendo em vista que é uma localidade pólo-regional[6], convertendo para sua área imediata de ação, populações próximas de atividade agrária. O primeiro elemento industrial implantado da cidade foi a Estrada de Ferro Oeste de Minas, que ligava Belo Horizonte ao oeste do país, dinamizando e favorecendo, assim, o intercâmbio entre os mercados mineiros e os do oeste brasileiro, passando por Betim e outras localidades.
Betim, no ato da instalação da Estação Ferroviária em Betim, tinha uma sociedade propícia a uma modernização industrial, tendo em vista o fato de se tratar de um importante núcleo urbano para a época. A construção de sua usina geradora de energia elétrica, em 1914, corrobora para esta afirmação uma vez que geração de energia abrangia toda a região de Betim. O principal beneficiado com a construção da usina foi o setor social (o que demonstra seu valor) e não, com se induz a pensar, o setor industrial. A cidade, naquele momento, não tinha grandes indústrias como Juiz de Fora e Biribiri (Diamantina), que possuíam industrias têxteis (desde finais do século XIX) e utilizavam a energia hidrelétrica para a produção. Betim tinha, sim, indústrias de pequenos portes como curtumes, serrarias, moinhos, produções têxteis doméstico-artesanais etc. Num segundo momento, posterior a 1920, a usina possibilita a intensificação deste produção industrial, atraindo, tendencialmente, para a cidade as produções de localidades imediatamente próximas, desprovidas de eletricidade. Dessa forma, o papel desempenhado pela usina, atende primeiramente à sociedade e, posteriormente, possibilita a intensificação e ao assentamento da industria local, contribuindo, conseqüentemente, para um melhoramento na dinâmica comercial regional.
Todavia, o caráter agrário ainda tem, no período em questão, a hegemonia na economia betinense. A sociedade, por exemplo, é composta em sua maioria por classes ligadas ao meio rural: proprietários rurais e lavradores. Isso significa dizer que a cidade é um pólo de intercâmbio comercial entre os produtos agrícolas e os de caráter industrial, necessários também no campo (tecidos, roupas, ferramentas, móveis etc). As classes ligadas ao comércio e a administração política (distrital) estão diretamente no meio urbano. O fato é que a urbanidade betinense tem proporções acentuadas por se tratar de uma cidade-pólo regional. A instalação da Usina demonstra, assim, a relativa importância urbana e social de Betim, tornando propício, um início de desenvolvimento industrial e fixando um marco para a sua evolução social urbana, em detrimento de sociedade hegemonicamente rural.
A urbanidade é um outro elemento que atesta o “moderno”. Neste sentido, uma “sociedade moderna” é, em sua essência, uma sociedade ligada, direta ou indiretamente, a um centro urbano. Para se identificar enquanto moderna, no início do século XX, a sociedade necessita de elementos que a formam enquanto tal: comércio, indústria, urbanidade, energia elétrica, vias de transporte (que promovem intercâmbios) etc. Neste sentido, baseado neste conceito, Betim tem com a construção Usina Hidrelétrica Dr. Gravatá, em 1914, um elemento que a insere na “modernidade” e, simultaneamente, a posiciona em sincronia com o movimento modernizador mineiro e nacional.

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