Instituto Histórico IMPHIC - Betim

"Sapire ut protego, Protego ut conservo"


A IMAGEM DA CAPELA (TOMBADA PELO CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO). SERIA INTERESSANTE TENTARMOS CONTRIBUIR COM UM ESTUDO DESTA PEÇA PARA COMPOR O HISTÓRICO E O DOSSIÊ DELA

INFORME HISTÓRICO DO BEM CULTURAL
A origem da devoção a Nossa Senhora do Rosário remonta ao século XIII tendo se propagado através de São Domingos Gusmão para quem a virgem teria aparecido e entregado um rosário em 1208 na Igreja de Prouille, França. De acordo com Cota e Souza (2007: 1-5) há registros de que o Papa Pio V teria pressentido no ano de 1571 a vitória dos cristãos sobre os muçulmanos na Batalha de Muret, fato que veio a confirmar-se como verdadeiro implicando na construção de um santuário dedicado a Nossa Senhora da Vitória. Em 1572, por ocasião de outra vitória cristã, desta vez na Batalha de Lepanto, o Papa instituiu a festa de Nossa Senhora da Vitória como uma celebração litúrgica para que pudesse ser comemorada todos os anos na data de aniversário do acontecimento, 7 de outubro. Em razão de naquele mesmo dia haver sido feita uma procissão do Rosário na Praça de São Pedro, em Roma, solicitando o sucesso da missão da Liga Santa contra os turcos otomanos no oeste da Europa, Nossa Senhora da Vitória foi então denominada Nossa Senhora do Rosário.
Fora assim, através de Pio V, que a devoção a Nossa Senhora do Rosário teria sido criada e propagada por toda a Europa (e posteriormente ao mundo) em uma época de lutas em que eram reincidentes os apelos da Igreja aos cristãos para que rezassem pela vitória da cristandade. De acordo com pesquisa realizada por João César das Neves[2] além de apelar às nações católicas para defesa da religião cristã o Papa teria estabelecido que o Santo Rosário fosse rezado diariamente por todos, como forma de pedir ajuda à mãe de Deus para a conquista da paz e da vitória. Tal desejo, concretizado com a queda de Constantinopla e o fim da Idade média efetivou a crença no poder de Nossa Senhora do Rosário quando finalmente, após anos de luta, a 7 de Outubro de 1571 a frota ocidental, comandada por D. João da Áustria (1545-1578), teve uma retumbante vitória na batalha naval de Lepanto, ao largo da Grécia, afirma o autor. Conta-se que nesse mesmo dia, em meio a uma reunião com os cardeais, o Papa levantou-se, abriu a janela e disse: “Interrompamos o nosso trabalho; a nossa grande tarefa neste momento é a de agradecer a Deus pela vitória que ele acabou de dar ao exército cristão”.
Conforme Sgarbossa e Giovannini (1983: 300), o rosário teria nascido do amor dos cristãos por Maria na época medieval, provavelmente no tempo das cruzadas à Terra Santa. O objeto de recitação desta oração, o terço, era confeccionado com pedrinhas e nos conventos medievais os irmãos leigos, dispensados da recitação do Saltério pela pouca familiaridade com o latim, completavam as suas práticas de piedade com a recitação repetida do Pai-nosso. Segundo os autores, haveria uma lenda pela qual Nossa Senhora, tendo aparecido a São Domingos, teria lhe indicado a recitação do Rosário como arma eficaz para debelar os hereges albigenses e, por esta razão, os principais promotores desta devoção teriam sido os dominicanos. A festa do Santíssimo Rosário, assim chamada antes da reforma do calendário católico em 1960, seria um resumo de todas as festas de Nossa Senhora dada a importância atribuída às orações dos fiéis à vitória conquistada pelos cristãos em Lepanto.
No Brasil, a devoção à santa e a criação das primeiras irmandades de Nossa Senhora do Rosário remetem ao século XVI quando teria se tornado a padroeira da cidade de Santos e, no século seguinte, atingira outras cidades como Itu, Parnaíba e Sorocaba, todas situadas no Estado de São Paulo. A partir do fim do período colonial, as irmandades do Rosário passaram então a ser constituídas pelos “homens pretos”, ou seja, passaram a vincular-se aos escravos que, sendo negros submetidos ao cativeiro e ao trabalho forçado, buscavam na imagem e nas orações o alívio para os sofrimentos infligidos pelos brancos. Registra-se[3] que os escravos recolhiam as sementes de um capim cujas contas são grandes para confeccionar terços e rezar. Por esta razão, tais sementes foram chamadas “lágrimas de Nossa Senhora”.
As seguintes datas e locais de fundação das Irmandades dos Homens Pretos podem ser apontadas: 1708 - São João del-Rei, Minas Gerais; 1711 - São Paulo; 1713 – Cachoeira do Campo e Sabará, Minas Gerais; 1715 – Ouro Preto, Minas Gerais; 1728 – Serro, Minas Gerais; 1754 - Viamão, Rio Grande do Sul; 1771 - Caicó, Rio Grande do Norte; 1773 - Mostardas, Rio Grande do Norte; 1774 - Rio Pardo, Rio Grande do Sul; 1782 – Paracatu, Minas Gerais. Todas elas foram criadas com o objetivo comum de abrigar o povo negro impedido de freqüentar as mesmas igrejas dos senhores.[4]
Em Betim, a devoção a Nossa Senhora do Rosário remonta à própria origem da cidade datada do primeiro quartil do século XVIII. Por volta da primeira metade do século XVIII que os primeiros grupos de famílias, seduzidas pela visão panorâmica da região, pela amenidade do clima e pelas esplêndidas águas que banhavam o solo fértil e verdejante, instalaram-se no local. Em conseqüência disto, teria se formado um povoado bastante populoso e já carente de uma padroeira. No ano de 1754, o povoado passou a ser conhecido como Arraial da Capela Nova de Betim e teria sido então, por iniciativa de um dos primeiros proprietários de terras da região que fora erigida a “Capela Nova do Betim” em devoção a Nossa Senhora do Monte do Carmo
Através de uma provisão episcopal de 9 de novembro de 1754, encontrada no Arquivo Nacional, é erigida uma Capela na Bandeirinha do Rio Paraopeba (Fonseca: 1975, 152), que servirá ao culto do catolicismo na cidade que se forma.
Em relação à religiosidade negra, a primeira referência da existência da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Arraial de Betim data de 1814, em documento encontrado no Arquivo Nacional, onde solicita-se à sua Alteza Real provisão para ereção de uma Capela para Nossa Senhora do Rosário, dizendo ainda o documento que se desejava prosseguir na arrecadação de fundos e donativos para a sua construção
“Dizem os homens pretos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Arraial do Beti, na Freguezia de Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral d’El-Rei, Bispado de Mariana, em Minas Gerais, que eles querem continuar na ereção de sua Capela dedicada à mesma Senhora do Rosário, e porque o não podem fazer sem Licença de Vossa Alteza Real. Suplicam a V. A. R. Se digne de mandar-lhes passar sua Provisão de Ereção, na forma do estilo”. (A.N. – Caixa 284 – Pacotilha 2 – Documento nº 89)

À margem: “P.P. de ereção REM. 28 de setembro de 1814. E assinatura de Antônio José da Silva, Procurador da Irmandade.
Manoel Antônio Carvalho, falecido em 10 de outubro de 1828, deixa em seu testamento uma esmola de trinta mil réis, para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário que se pretende fazer.
Eu Manoel Antônio de Carvalho, estando em meu perfeito juízo [...] deixo de esmola para a Igreja da Senhora do Rosário da Capela Nova do Betim que se pretende fazer, trinta mil reis.

Em 23 de setembro de 1851, através da Lei no 522, sancionada pelo Dr. José Ricardo de Sá Rego, então Presidente da Província, o Curato da Capela Nova de Betim é elevado à categoria de paróquia e passa a pertencer ao município de Sabará
“Fica elevado a Paróquia o Curato da Capela Nova do Betim, desmembrado da Paróquia do Curral d’El-rei, compreendendo a nova Paróquia o Distrito das Bicas, desmembrado da Paróquia de Matheus Leme”.

Em 1856, o Frei Francisco Coriolano Otrante, missionário capuchinho, inicia, entre os bons fiéis, uma subscrição para a construção da Matriz (Fonseca: 1975, 158).
Em 1861, devido a dificuldades para a continuidade das obras de construção da Matriz, o Padre Casimiro Moreira Barbosa recomenda ao Bispo de Mariana, Dom Antônio Ferreira Viçoso, em visita pastoral à paróquia, utilizar o dinheiro da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, sob a alegação de que a mesma estava em decadência por falta dos devotos pretinhos e, também, dadas às dificuldades de se levar adiante a construção da Capela do Rosário, que, neste momento, já teria perdido grande madeiramento, carretos e despesas, sendo atendido em despacho favorável.
A esta época, havia uma imagem de Nossa Senhora do Rosário que era venerada pelos pretos, mas que se achava entronizada na matriz de Nossa Senhora do Carmo, Igreja dos brancos, dos senhores, constituindo empecilho às suas preces e oferendas, segundo Geraldo Fonseca (Fonseca: 1975, 162).
A partir de 1861 cresceram em número os congadeiros que mais vezes passaram a homenagear suas protetoras. Em Maio dançam em homenagem à Princesa Isabel. Em agosto e setembro em honra á Senhora do Rosário.
Em 1894, inicia-se a construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário, através de despesa realizada pelo Vigário Domingos Cândido da Silveira, na qualidade de Presidente da Mesa de Nossa Senhora do Rosário (Fonseca: 1975, 164).
Em fevereiro de 1897, a capela recebia a vidraçaria e nela já se celebravam os atos religiosos (Fonseca: 1975, 164).
Desde os tempos das capitanias, dezenas de capelas abrigavam a imagem de Nossa Senhora do Rosário e seus devotos, cidadãos de cor. As raízes dos congadeiros de Betim estão nas famílias de Sr. Joaquim Nicolau, que deram continuidade, formando a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora Aparecida.
Os congadeiros da atualidade e pertencentes à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário contam que, na construção da Igreja, trabalharam Joaquim Nicolau e o seu pai.
Joaquim Nicolau e João Belarmino trabalharam na construção da Igreja carregando pedra. Hoje, depois de reformada, ela está como era antigamente. Deste jeitinho mesmo
Cap. Raimundinho da Guarda de Congo da Irmandade Nossa Senhora do Rosário de Betim

Joaquim Nicolau é o ancestral de referência para a história recente do Congado da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Betim. Quando solteiro, fundou o reinado em Vianópolis. Era o seu Capitão Mor quando mudou para Betim onde levantou, em 1954, o reinado que esteve parado quarenta e cinco anos devido à morte do seu antigo capitão (Mendonça: 1996, 9).
Atualmente, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Betim é composta de dez guardas do congado, sendo uma tradição da cidade, com a qual sua história se mistura. Para os congadeiros, o Congado deve ser encarado como religião e não como folclore sendo este sentimento reforçado pelos diferentes ritos que cercam a manifestação religiosa e que são seguidos de maneira rigorosa pelos membros da Irmandade. Cada guarda tem um estilo, mas todos estão relacionados com as tradições negras conservadas pela memória coletiva dos grupos afro-brasileiros (Modesto & Mendonça: 1995, 18).
A Capela de Nossa Senhora do Rosário, a mais antiga de Betim, é ainda o local onde anualmente acontece a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário entre os meses de agosto a outubro, sendo um referencial para uma parte do segmento negro e não negro de Betim, uma vez que o culto é aberto a todas as etnias.
Houve uma época em que esteve ameaçada de ser destruída, mas graças a uma mobilização da comunidade, encabeçada pelos congadeiros, teve a sua demolição impedida, o que, infelizmente, não aconteceu com a matriz de Nossa Senhora do Carmo (Modesto & Mendonça: 1995, 9).
Segundo levantamento do acervo cultural de Minas Gerais, realizado pelo IEPHA em 1984, temos a seguinte descrição da Igreja de Nossa Senhora do Rosário:
Situa-se em uma colina, em praça com cruzeiro. O partido é retangular com nave central, de pé-direito mais alto, naves laterais e sacristia posterior que se trata de acréscimo recente em alvenaria de tijolo. Em estrutura autônoma de madeira e vedação em adobe recebe cobertura em telhas curvas com beirais em cachorrada. O frontispício mostra três portais sendo o central encimado por duas janelas com balaustrada interna, interessante óculo e cruzeiro de madeira encimando a cumeeira. Os vãos possuem enquadramento de madeira, folhas em calha ou em caixilhos de vidro. A sineira lateral, sem o sino, apresenta madeiraime em estado precário. A nave principal apresenta forro alteado em tabuado liso. Para acesso ao altar existe supedâneo em madeira limitado por cancelos laterais em balaustrada de madeira torneada. As naves laterais possuem piso em tabuado corrido, não são forradas e apresentam janelas com verga alteadas. A recente sacristia mostra piso em cimento natado com corante verde, dois basculantes e não recebe forro.

As Comemorações do dia de Nossa Senhora do Rosário em Betim inicia-se no mês de agosto. No início do mês acontece, o levantamento da Bandeira de Aviso. Por volta do dia 21 de agosto, a novena com reza de terço em louvor de Nossa Senhora do Rosário.
Por volta de 28 de agosto, o levantamento das Bandeiras de São Benedito, de Santa Efigênia, de São Sebastião, de Nossa Senhora do Rosário, de São João Bosco e de Nossa Senhora da Aparecida. Em torno do dia 30 de agosto, o cumprimento de promessas, coroação de Reis, Rainhas, Barões, Baronesas e devotos de Nossa Senhora de Rosário.
A Irmandade é composta por 10 grupos de congadeiros, sendo a Guarda de Moçambique da Bandeira de Santa Inês, Capitão “Seu” Mário; Guarda de Moçambique da Bandeira de Nossa Senhora do Rosário, Capitão “Seu” Dalmo; Guarda de Moçambique da Bandeira de Nossa Senhora do Rosário, Capitã “Dona Nenem”; Guarda de Congo da Bandeira de Nossa Senhora do Rosário, Capitão “Seu Raimundim”; Guarda de Marujos da Bandeira de São João Bosco, Capitã Dna. Zélia; Guarda de Moçambique da Bandeira de Santa Ifigênia, Capitão “Zé” Lúcio; Guarda de Moçambique da Bandeira do Divino Espírito Santo, Capitão Ednilton; Guarda de Catupê da Bandeira de Santa Inês, Capitã “Tita”; Guarda de Moçambique da Bandeira de Nossa Senhora do Desterro, Capitão Christian; Guarda de Congo da Bandeira de , Capitã Dna. Euli ; Guarda de Moçambique da Bandeira de Santo Antônio de Pádua, Capitão “Bimbo”
A disciplina e a obediência aos rituais são rígidas. Os participantes têm que se vestirem a caráter, respeitarem as hierarquias e serem fervorosos.
Somente no ano de 1894, concretizou-se o sonho dos devotos da Senhora do Rosário em ter um lugar para a guarda permanente da imagem da Santa. Muitos não puderam contemplar a tamanha elegância que, hoje, abriga no coração da cidade, a Capela do Rosário no bairro Angola.
Atualmente, a participação do branco já é permitida, mas, no passado, somente os negros podiam fazer parte dos rituais e havia uma abstinência sexual por parte de todo os componentes da Irmandade. Vem sendo desenvolvido um trabalho de conscientização do negro, visando buscar suas origens, costumes, hábitos, valores culturais, e a sua cidadania, através de cursos, palestras e eventos religiosos e culturais.
Não há documentos sobre a primeira imagem da Santa existente na cidade, porém, acredita-se que a primeira capela atribuída a Nossa Senhora do Rosário teria tido uma imagem mais tosca, produzida sem os recursos técnicos do século XIX. A imagem de Nossa Senhora do Rosário entalhada em madeira maciça e policromada, atualmente guardada pela Fundação Artístico-Cultural de Betim, remonta à ocasião de instalação da Capela (1897). Embora não haja registros acerca de seu autor ou procedência, verifica-se através dos detalhes apurados e delicadeza do entalhe e policromia que tal peça pode ter sido produzida por artífices de Ouro Preto, uma vez que o antigo arraial era local de passagem de viajantes para outros municípios localizados nas proximidades das Vilas do Ouro ou até mesmo artífices estrangeiros, fato corriqueiro na época.
Neste sentido, a continuidade histórica de desenvolvimento do município demonstra que era comum a atuação de mestres vindos de regiões longínquas bem como a absorção de outras culturas, o que pode ser comprovado na segunda metade do século XIX quando o culto à Santa em questão assumira aspectos particulares de um estilo mais Art-decó.
A pesquisa histórica aponta, portanto, para a possível confecção da Imagem de Nossa Senhora do Rosário por importante escultor da época, tanto pelas características que apresenta quanto pelas influências recebidas pelo município. Até os primeiros anos do século XXI a imagem em questão podia ser vista no altar mor da Capela de Nossa Senhora do Rosário de onde foi retirada em 2005 por motivos de segurança. Sua remoção e guarda na Casa da Cultura representou assim, uma iniciativa de preservação de sua integridade bem como um reconhecimento prévio de sua importância para a comunidade local.
Confeccionada em madeira maciça e composta de encaixes, a imagem encontra-se atualmente numa sala no interior da Casa da Cultura onde permanece sempre sob os olhos atentos dos funcionários da Fundação. O acesso a ela se dá somente com a permissão do Diretor de Patrimônio Histórico. Embora sejam escassos os documentos que comprovem a origem e autoria da Imagem de Nossa Senhora do Rosário verifica-se através da necessidade de sua preservação, a importância simbólica atribuída a ela e um verdadeiro desejo de preservação que se soma aos indícios de ter sido ela a imagem mais antiga do município.

DESCRIÇÃO DETALHADA E ANÁLISE DO BEM
A Imagem de Nossa Senhora do Rosário apresenta características iconográficas referentes à maioria das invocações modernas da virgem Maria. Diferentemente das invocações mais antigas em que a virgem apresenta-se assentada tendo ao seu colo o Menino Jesus, a imagem em questão representa Nossa Senhora de pé com o Menino Jesus acomodado em seu braço esquerdo sobre um manto branco. Conserva, contudo, aspectos gerais referentes à representação de Nossa Senhora tais como as vestes longas cobertas por um manto que revestem até os pés o corpo da santa em contraste com a nudez do pequeno Jesus além da presença de querubins aos seus pés.
Confeccionada em madeira maciça apresentando 24 cm de largura por 65 cm de altura, a imagem compõe-se de 2 peças confeccionadas em madeira e equivalentes a Nossa Senhora e ao menino Jesus que leva nos braços. Há vestígio de elementos colados. Jesus (com 7cm de largura por 17 cm de altura) encaixa-se sobre parafuso em metal cravado sobre o braço esquerdo da santa. Sobre sua cabeça, através de um furo, a auréola ou a coroa encontra apoio para fixar-se.
De olhos castanhos, de vidro, traços faciais arredondados e queixo paralelo ao solo, com carnação tipo “porcelana”, Nossa Senhora demonstra douçura no olhar aparentando fixar-se de modo confiante no horizonte. O nariz e a boca revelam traços muito delicados e pinturas que não extrapolam os limites determinados pelo entalhamento. Os cabelos, em tom castanho, são compridos, ondulados e envoltos em Véu com esgrafiado, na cor branca com motivos florais e borda em douramento.

No que se refere às vestes de Nossa Senhora verifica-se significativa riqueza de detalhes e policromia. A longa túnica que cobre todo o corpo da santa deixando os pés totalmente cobertos possui esgrafiado ricamente ornamentado com motivos florais; a parte interna da túnica é em cor verde, esgrafiada, a pelerine próxima ao pescoço apresenta-se na cor verde, também em esgrafiado, ornamentada por uma espécie de broche floral. O acabamento da borda da túnica, na parte de baixo, apresenta fina ornamentação em pastiglio, com motivos florais e pequenos botões que avançam sobre a parte inferior da túnica com acabamento em douramento

Estes elementos possuem formas diversas e aparentemente livres de qualquer simbologia específica destinando-se tão somente à decoração da roupa. O cuidado no entalhe e na pintura é revelado ainda pelo movimento impresso na confecção da túnica que apresenta ondulações que remetem ao caimento natural do tecido oferecendo leveza à peça maciça.
Sobre a túnica de Nossa Senhora, sobrepõe-se um manto trabalhado de modo semelhante à primeira parte das vestes em termos de técnica de escultura. As nuances de seu acabamento apresentam, contudo, tonalidades diversas que variam conforme a face interior ou exterior do tecido. Douramento de reserva na parte externa do manto, a borda em douramento, onde na parte de trás junto à borda aparece motivos florais diferenciados, o manto é azul. Externamente verifica-se tonalidade de fundo predominantemente azul mais escuro à qual são aplicados elementos em tons dourados. Na face interna, predomina Douramento na parte interna do manto com rico trabalho de esgrafiado em motivos florais, na cor a cor azul clara sobre a qual também são aplicados elementos dourados de formas livres.

Sob os pés da Imagem esta uma nuvem trabalhada com folha de prata e esgrafiado em linhas concêntricas, onde encontram-se cinco querubins de proporções e características físicas semelhantes, três posicionados acima frontal, sendo que dois deles, nas laterais, estão mais recuados e dois abaixo em posição diagonal e com semblantes semelhantes. Estes anjos apresentam carnação em fatura fina, com elaborada “porcelanização” e tonalidade rosada na face, testa e junto aos cabelos Todos possuem cabelos castanhos mais claros que o de Nossa Senhora, olhos azuis, além de traços arredondados como os da virgem. Considerados seres alados como todos os anjos, os querubins representados apresentam asas em douramento sem trabalho de esgrafiado.

O menino Jesus que a virgem traz em seus braços possui características semelhantes à dela própria apresentando cabelos castanhos, pele clara e olhos castanhosos dois braços encontram-se abertos para receber o rosário. A peça não possui vestes exceto o tecido branco com detalhes dourados semelhantes ao tecido que envolve a cabeça de Nossa Senhora e que encontra-se sobre o braço da virgem como que preparado para envolver a criança, esse tecido é branco com esgrafiados, com motivos florais e borda em douramento.

A imagem assenta-se sobre uma peanha escalonada, simples na cor vinho de formato retangular e recortado de apenas na parte frontal, possui dimensões de 20 cm de comprimento por 12 cm de largura. Seu acabamento é realizado em pintura na cor vinho aplicada de modo marmorizado em toda sua extensão oferecendo interessante contraste com a policromia do restante da peça.


PARECER TÉCNICO PARA O TOMBAMENTO DA IMAGEM DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

As características simbólicas e iconográficas correspondentes à Imagem de Nossa Senhora do Rosário demonstram ser esta uma peça de grande valor histórico não apenas para a comunidade Betinense como também para a região onde se encontra e talvez para todo o Estado de Minas Gerais. Entalhada em madeira maciça policromada com esmero e grande apuro técnico, a Imagem em questão revela não apenas a maestria de seu desconhecido artífice como constitui-se parte fundamental da história de um período de grande relevância para toda Minas Gerais.
Apesar da carência de registros que permitam atribuir a autoria da peça a um artífice específico, suas características iconográficas e seu surgimento em meio à independência e reorganização interna do país somada ao movimento Barroco que se desenvolvia tardiamente por todo o território reforçam a importância de sua preservação. Além disso, informações orais revelam sua importância perpetuada ao longo do tempo pela comunidade local sendo preservada até a atualidade.
A Imagem apresenta também características iconográficas referentes à maioria das invocações modernas da virgem Maria. Diferentemente das invocações mais antigas em que a virgem apresenta-se assentada tendo ao seu colo o Menino Jesus, a peça em questão representa Nossa Senhora de pé com o Menino Jesus acomodado em seu braço esquerdo sobre um manto branco. Conserva, porém, simultaneamente, aspectos gerais referentes à representação de Nossa Senhora tais como as vestes longas cobertas por um manto que juntos revestem até os pés o corpo da santa em contraste com a nudez do pequeno Jesus. Constitui-se assim como um elemento possivelmente de transição entre uma cultura conservadora e a chegada da modernidade no país muito bem representada pela arte encontrada em Minas Gerais à época, sobretudo, na região das Vilas do Ouro.
Por tais razões indica-se o Tombamento da Imagem de Nossa Senhora do Rosário de modo que tal reconhecimento legal possa se unir às iniciativas de conservação da peça que vem sendo tomadas pela comunidade local desde 1998 com o tombamento da Capela que a abrigava e sua retirada do altar-mor e armazenamento em sala da Casa da Cultura onde, sob os olhos atentos do Departamento de Patrimônio Histórico, permanece guardada de luz excessiva, umidade e ataque de insetos além de eventuais furtos.
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